O Acidente Nuclear de Goiânia- Césio 137
A fonte de Césio que deu origem ao maior acidente radiológico do mundo foi manipulada pela curiosidade de dois sucateiros que encontraram um aparelho de radioterapia, nas antigas dependências do Instituto Goiano de Radioterapia, um prédio abandonado da Santa Casa de Misericórdia. Era a manhã do domingo, 13 de setembro de 1987, quando dois sucateiros, Roberto dos Santos e Wagner Mota, removeram a máquina em um carrinho de mão até a casa de um deles. Eles ignoravam o que era aquela peça de 100 quilos, estavam apenas interessados no que podiam ganhar com ela, vendendo as partes de metal e chumbo em ferro-velhos da cidade.
Durante a desmontagem do aparelho, foram expostos ao ambiente 19,26 g de cloreto de césio-137 (CsCl), pó branco semelhante ao sal de cozinha, no entanto, brilha no escuro com uma coloração azulada.
Cinco dias depois, a peça foi vendida a Devair Alves Ferreira, que a arrombou e se encantou com o brilho azul emitido pelo pó de césio 137. Acreditando estar diante de algo sobrenatual, Ferreira passou do dia 18 até o dia 21 recebendo amigos e curiosos interessados em conhecer o misterioso pó brilhante.
Dentre essas pessoas estava seu irmão, Ivo, que fora visitá-lo porque sabia que Devair estava doente. Na avaliação da família, ele estava com intoxicação alimentar. Os primeiros sintomas da contaminação (tonturas, náuseas, vômitos e diarréia) apareceram algumas horas depois do contato com o pó, levando as pessoas a procurar farmácias e hospitais, sendo medicadas como portadoras de uma doença contagiosa. Na verdade, descobriu-se mais tarde que ele apresentava sintomas descritos pelos médicos como Síndrome Aguda da Radiação.
Ivo levou um pouco do pó de Césio para casa e mostrou as pedrinhas brilhantes para a esposa, a filha e os amigos. Sua filha, Leide das Neves, de seis anos de idade, não só manipulou as pedrinhas, como também ingeriu pequena quantidade delas. É que a menina brincou com as pedras antes do jantar e, ao alimentar-se, comeu césio misturado à comida. Leide foi a primeira a morrer. Ela foi considerada a maior fonte radioativa do mundo, já que foi quem mais absorveu a radiação do Césio de todos os que foram irradiados.
O vizinho de Devair, Edson Fabiano, também levou para casa algumas pedrinhas e compartilhou a beleza de seu brilho com seu irmão, Ernesto Fabiano, que fez o mesmo. A casa dele foi considerada um dos principais focos de contaminação, porque ele jogou o material radioativo no vaso sanitário.
O metal proveniente da máquina de radioterapia foi vendido para outro ferro-velho, cujo dono se chamava Joaquim. Ele devolveu a cápsula de césio por achar que não tinha valor comercial.
Os sintomas só foram caracterizados como contaminação radioativa em 29 de setembro, depois que esposa do dono do ferro-velho, Maria Gabriela, levou parte do aparelho desmontado até a sede da Vigilância Sanitária. Os médicos que a receberam solicitaram a presença de físicas por desconfiarem de que seria material radioativo. O físico nuclear Valter Mendes, de Goiânia, constatou, no dia 29, que havia forte índices de radiação na Rua 57, do setor Aeroporto, bem como nas suas imediações. Ele acionou então a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), por considerar gravíssimo o acidente.
José Júlio Rosenthal, chefe do então Departamento de Instalações Nucleares, dirigiu-se à Goiânia no mesmo dia. Ao encontrar o quadro preocupante, acionou o médico Carlos Brandão da Cnen e também o médico Alexandre Rodrigues de Oliveira, da Nuclebrás (hoje, Indústrias Nucleares do Brasil). Eles chegaram à Goiânia no dia 30, quando a secretaria de Saúde do estado já fazia a triagem dos acidentados num estádio de futebol.
As que tinham entrado em contato com a fonte diretamente estavam num hospital do estado, que tinha uma enfermaria separada para atender as vítimas. De acordo com Alexandre de Oliveira, no estádio foram triadas cerca de 30 pessoas que apresentavam vômito, náusea, dor de cabeça, emagrecimento, dores no corpo e queda de cabelo. Outras dez foram encaminhadas ao hospital.
A primeira medida foi separar toda a roupa dessas pessoas, lavá-las com água e sabão para descontaminação externa. Depois, os que entraram em contato com a cápsula tomaram um quelante - substância que elimina os efeitos da radiação - chamado azul da prússia. Com ele, as partículas de césio saem do organismo pelas fezes e pela urina. Todo esse material foi reunido, encapsulado em contêineres de metal para posterior descarte em um depósito.
Quatro morreram pouco depois de um mês do acidente, Maria Gabriela, a menina Leide e dois funcionários do ferro-velho de Devair. Ele morreu anos depois de câncer no fígado, doença que, segundo os médicos da Superintendência Leide das Neves (Suleide) - criada para atendimento exclusivo e permanente dos acidentados - não se desenvolveu em função da exposição do paciente à fonte radioativa.
Segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), além delas, de 112.800 pessoas que foram monitoradas, 129 apresentaram contaminação corporal interna e externa. Destas, 49 foram internadas e 21 exigiram tratamento médico intensivo.
A propagação do césio-137 para as casa próximas onde o aparelho foi desmontado se deu por diversas formas. Merece destaque o fato de o CsCl ser higroscópico, isto é, absorver água da atmosfera. Isso faz com que ele fique úmido e, assim, passe a aderir com facilidade na pele, nas roupas e nos calçados. Levar as mãos ou alimentos contaminados à boca resulta em contaminação interna do organismo.
Os trabalhos de descontaminação dos locais afetados produziram 13,4 t de lixo contaminado com césio-137: roupas, utensílios, plantas, restos de solo e materiais de construção. O lixo do maior acidente radiológico do mundo está armazenado em cerca de 1.200 caixas, 2.900 tambores e 14 contêines em um depósito construído na cidade de Abadia de Goiás, vizinha a Goiânia, onde deverá ficar, pelo menos 180 anos.